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sábado, maio 10, 2003
Fantasmas
Quando a baptizaram chamaram-na de Miriam. Têm os olhos pequeninos amendoados sempre com olheiras fundas. Quando fica nervosa morde o lábio, bem perto daquela cicatriz antiga também feita pelos dentes, baixa os olhos tristes e enrola o cabelo com os dedos.
Mora sozinha na casa perto da praia. Não costuma receber visitas. Antes parava lá por casa um tal de Miguel de pronúncia forte e que às vezes usava a barba por fazer. Rebolavam pelo chão. Outras vezes subiam pelas paredes. Ele fez as malas e partiu sem olhar para trás.
Ela ficou uma semana sem aparecer e quando voltou vinha mais velha e corcoveava as costas como quem já não aguenta bem o peso do que carrega.
Nas tardes tristes de Inverno em que o sol lhe bate na janela da sala fica sentada na cadeira de baloiço e espera que o sol vá embora e leve consigo o tempo. O tempo que tudo destrói.
Quando a alma lhe dói sobe até ao quarto e deita-se nos lençóis de flanela estampados cor-de-rosa e ouve Tori Amos. Depois deixa que os rios corram, escorram. Chora até o corpo ficar cansado e depois ele usa o cansaço e distraí-lhe a mente para a poder embalar. Fica perdida no ar a flutuar entre notas tocadas no piano ou ritmos batidos na bateria.
Os olhos de alguém viram-lhe algo gravado na pele outro dia em que ela passeava na praia descalça e se deixava ir ao sabor do vento. Mas deve ser algo que só ela pode traduzir.
As marcas dos pés dele ficaram lá na areia quase até ao sol pôr, mas depois a maré subiu com inveja e guardou as marcas que ela tinha deixado na areia só para si. Nesse dia o mar falou. Talvez fossem juras de amor que por lá tivessem ficado perdidas e ele tivesse decidido cuspir.
À noite ela costuma caminhar em direcção ao mar e deixa que o seu sal se una com o do mar, depois volta para casa e acende as luzes e fica até ao amanhecer a encher as folhas de tinta.
Quinta-feira acordei com os reflexos das luzes coloridas nos vidros da janela da sala. Ainda pensei que fosse porque tinha adormecido com a televisão ligada, mas não eram luzes da televisão. Da janela vi o que se passava e corri até lá. Pela praia voavam folhas de papel e outras flutuavam no mar. Quando entrei ouvi a voz de uma mulher a gritar bem alto sobre a música do piano. Caminhei sobre os papéis, espalhados pelo chão, que continham sempre a mesma palavra repetida e segui o barulho das vozes que se perdiam atrás do piano.
Lá estava ela com o cabelo molhado e os pulsos cortados, dentro da banheira cheia de água salgada pelas suas lágrimas. Tinha um sorriso no canto da boca e mais uma marca deixada pelos dentes no lábio.
Eles gritavam enquanto o sangue dela lhes escorria pelos dedos. Gritavam pelo seu nome. Ela sorriu e deixou que as pálpebras se fechassem sobre o olhar vazio. As cortinas não voltaram a abrir aquela janela.
Fugi e acabei de joelhos no chão da sala a vomitar sobre as folhas que ela tinha enchido de tinta. O chão estava coberto de folhas dessas. Peguei em algumas folhas e li-as à luz da lua. Tinham sempre a mesma palavra escrita, o mesmo nome. Uma repetição, MIGUEL...
Antes do fim dessa semana ainda tentei achar o tal Miguel. Mas percebi depois de cansar a cabeça e os músculos que os fantasmas não existem. Não depois de os mortos os levarem consigo.
cara-de-sonsa listens to Tom Jobim: Sucedeu Assim
posted by Sofia Ctx | 1:31 da manhã
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